Publicação traz a conceituação e a tipificação do crime, além de orientações sobre a cena da ocorrência e o tratamento a familiares e sobreviventes, entre outros pontos

Com o objetivo de estabelecer parâmetros para identificar e averiguar adequadamente os crimes de feminicídio, os ministérios das Mulheres e da Justiça e Segurança Pública lançaram, nesta semana, caderno temático dirigido, sobretudo, agentes de segurança e integrantes do Judiciário.
Para além desse público, o “Caderno Temático de Referência – Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio” (disponibilizado no final do texto) pode também ser útil para quem atua no combate e prevenção às violências contra as mulheres e ao público interessado em geral.
“Precisamos preparar os profissionais e os serviços públicos, mas temos que ter a coragem de dizer para a sociedade brasileira que enfrentar a violência contra as mulheres não pode e não deve ser uma responsabilidade somente do Estado. É uma responsabilidade de todos”, salientou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, durante o lançamento, na terça-feira (15).
Já o ministro Ricardo Lewandowski afirmou: “Enquanto não promovermos a igualdade total entre homens e mulheres, não tivermos o feminicídio zero e a cessação absoluta da violência contra a mulher, nós não poderemos construir um País mais justo, fraterno e solidário”.
Feminicídio como crime autônomo
O caderno já reflete a recém-sancionada Lei 14.994/2024, que tornou o feminicídio um crime autônomo. Antes de entrar em vigor, o feminicídio era definido como um crime no âmbito do homicídio qualificado.
Com a nova lei, o feminicídio passou a ser um tipo penal independente, com pena maior, tornando desnecessário qualificá-lo para aplicar penas mais rigorosas. Assim, o período de condenação passou de 12 a 30 anos para de 20 a 40 anos de reclusão.
Além disso, a lei também aumentou as penas para outros crimes, se cometidos em contexto de violência contra a mulher, incluindo lesão corporal e injúria, calúnia e difamação.
Conforme explica a apresentação do caderno — assinada pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mario Luiz Sarrubo —, motivadas pela “combinação das relações desiguais de poder entre homens e mulheres, estereótipos, discriminação e abusos históricos contra as mulheres e meninas, as mortes violentas que as atingem requerem uma abordagem que inclua a perspectiva de gênero durante a investigação e a realização das perícias”.
Para tanto, acrescenta, “a elaboração deste protocolo é fundamental para o aprimoramento da prática dos profissionais de segurança pública, trazendo elementos e técnicas para que esses crimes sejam tratados de forma criteriosa e com a devida diligência”.
A publicação adota três conceitos complementares sobre o feminicídio, baseados em estudos feitos por Diana Russel e Marcela Lagarde. Conforme a primeira descrição, feminicídios são “a forma mais extrema da violência baseada em gênero contra mulheres e meninas e constituem uma grave violação aos direitos humanos das mulheres”.
A outra conceituação aponta, ainda, que os feminicídios são “crimes evitáveis, uma vez que suas causas estruturais são conhecidas (desigualdades de gênero, raça/cor e socioeconômicas), e que para reduzi-lo é necessário desenvolver ações concretas para transformar as normas sociais de gênero e prevenir todas as formas de violência de gênero contra as mulheres”.
Por fim, os feminicídios são descritos como “crimes de ódio que ocorrem nos mais diferentes contextos e relacionamentos sociais e afetam as mulheres de formas diferentes, considerando os marcadores sociais de identidade e pertencimento”.
Tipificação e orientações
Outro ponto abordado pela publicação é que a tipificação de feminicídio não deve se limitar às situações que terminam em assassinato, mas abarcar também a tentativa que gera ferimentos.
“Os homicídios, tentados ou consumados, cujas vítimas são mulheres, devem ser considerados feminicídios na sua forma tentada ou consumada, sempre, independentemente de quaisquer considerações iniciais sobre qualquer autoria, para não comprometer a investigação”, diz. “Contudo, a hipótese de feminicídio é reforçada quando o crime tenha sido praticado por pessoas com as quais as vítimas mantenham ou tenham mantido vínculos de qualquer natureza”, conclui.
A publicação traz, ainda, orientações detalhadas sobre a preservação da cena do crime; o preenchimento do boletim de ocorrência; sobre como conduzir os interrogatórios e o tratamento diferenciado a familiares das vítimas e às sobreviventes, a depender da idade, chegando ao passo-a-passo no exames das provas, como material biológico e projéteis ou armas. O caderno trata também dos procedimentos em caso de desaparecimento das vítimas.
Outra publicação preparada pelos dois ministérios é o “Caderno Temático – Padronização Nacional das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher” (Deam’s).
Ainda que direcionado às pessoas que trabalham nessas delegacias — toda a Casa da Mulher Brasileira possui uma Deam, além daquelas localizadas por todo o país — esse caderno pode orientar vítimas e familiares a saber o que exigir e esperar quando buscarem ajuda.
Cenário nacional
De acordo com o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (Raseam) 2025, lançado também nesta semana pelo Ministério das Mulheres, em 2024, foram registrados 1.450 feminicídios e 2.485 homicídios dolosos (com a intenção de matar) de mulheres e lesões corporais seguidas de morte.
Embora bastante altos, o registros representam uma diminuição de 5,07% em todos os casos de violência letal contra as mulheres, em relação aos registros de 2023, quando foram contabilizados 1.438 casos de feminicídio e outros 2.707 casos de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte de mulheres.
Na avaliação da ministra Cida Gonçalves, essa redução significa que “alguém está intervindo antes que o fato aconteça, que alguém está tomando uma iniciativa. É disso que nós precisamos: de uma sociedade que não se cale, que não diga que isso é só responsabilidade do Estado. Prioritariamente, é do Estado, mas é de toda a sociedade o papel de intervir, de ligar, de orientar e de falar sobre.”
Fonte: Agência Gov
Foto: Agência Brasília